Vamos direitos ao assunto: em Gabés – e desconfio que um pouco por toda a Tunísia – há dois aspectos que afectam a condução nocturna das pessoas de bem. O primeiro tem a ver com a iluminação das vias de circulação*, que em geral é insuficiente; e o segundo decorre da Cultura de Segurança dos Tunisinos e da sua condição económica, factores que se encontram intimamente relacionados e que, em geral, são, respectivamente, nenhuma e baixa – também vocês gostariam de conseguir inserir tantas vírgulas em tão curto espaço de texto, mas, isso, meus amigos, não é para qualquer um!
Posto isto, está na altura de vos contar o seguinte episódio: aqui há uns tempos, regressava eu a casa (de um evento social sobre o qual não irei fornecer mais informações) quando, ao longe, no meio do negrume da noite, começo a discernir um ponto vermelho. Eram 10 da noite, mais coisa menos coisa, a estrada em questão não goza de iluminação nem tão-pouco de marcações no pavimento, o céu estava limpo mas a lua não ajudava – exibia-se “vazia”. Não se via a ponta de um corno, portanto. E, dada a unidimensionalidade reconhecida aos pontos, fiquei largos segundos sem saber a que distância deste me encontrava; nem a que distância nem se este se estaria a aproximar (ou a afastar) de mim. Pirilampo de cu vermelho? Juro que foi a primeira coisa que me passou pela cabeça. A primeira e a última, pois eis com o que eu me deparei logo a seguir, quando, num piscar de olhos, lhe atingi com os máximos do Renault 19: nada mais nada menos do que um tunisino de meia-idade a vir disparado em direcção a mim e a 5 batimentos cardíacos de chocar frontalmente contra a carroçaria da dix-neuf – adoro o facto dos francófonos se referirem aos automóveis no feminino, uma vez que voiture é, justamente, uma palavra do género feminino. De meia-idade, de camisa aberta, montado na sua mobylette sem farol (ou de farol fodido; não deu para precisar), sem capacete, de bigodinho à la Zézé Camarinha e, debaixo deste, sustido pelos lábios, de cigarro ao canto da boca. Um cigarro, pois claro!
Agora que penso nisso, é impressionante a imagem assaz detalhada que tenho do aludido motociclista suicida quando dele apenas tive um vislumbre, ao lhe apontar com os máximos durante uma fracção de segundo. Foi apenas uma fracção de segundo mas foi o suficiente para que ele tivesse tempo de se desviar e, assim, evitar uma morte certa. O tabaco vai acabar por matá-lo, mas naquele momento salvou-lhe a vida. A isto se chama ironia.
* Receio informar que a falta de iluminação das vias em Gabés acabaram de fazer mais uma vítima: eu. Domingo passado fui correr de noite e caí numa vala. Resultado: um braço esfolado e uma costela fracturada. Nada de grave, no entanto. Espero apenas conseguir recuperar a tempo da Maratona do Porto.
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