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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Crise na Tunísia: um momento histórico para o Oriente Médio

O presidente Ben Ali, da Tunísia, é o primeiro líder árabe a deixar o poder papós manifestações populares. O evento deve colocar a Tunísia no centro das discussões da política internacional e pode influenciar o resto do mundo árabe
José Antonio Lima
Hassene Dridi / AP
FORA Ben Ali é visto durante evento para comemorar seu 21º ano como presidente da Tunísia, em 2008. Ele é o primeiro líder árabe a deixar o poder após manifestações populares
O mundo árabe pode ter vivido nesta sexta-feira (14) um dia emblemático em sua história. Depois de 23 anos governada por Zine El Abidine Ben Ali, a população da Tunísia colocou o presidente autoritário para fora do país após um mês de protestos. Esta é a primeira vez na história das nações árabes que um governo cai por conta de manifestações populares – um medo comum a todas as elites governantes da região desde 1979, quando a Revolução Islâmica do Irã (que é persa) colocou o aiatolá Ruhollah Khomeini no poder. Ao se materializar, o medo das nações árabes abriu uma fresta no transcorrer da história do Oriente Médio e do Norte da África para um terreno ainda inexplorado.

A saída de Ben Ali do poder foi anunciada por seu primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi, conhecido como "Sr. Sim Sim", por conta do notório hábito de concordar com tudo o que Ben Ali determinava. Ghannouchi apareceu em rede nacional na televisão, ladeado por dois ministros, dizendo que estava assumindo o controle do país como presidente interino devido à "dificuldade que o presidente tem de exercer seus deveres temporariamente". Ghannouchi prometeu respeitar a Constituição e cumprir as promessas feitas por Ben Ali. No desespero para se manter no cargo, o presidente da Tunísia prometera investir na criação de milhares de empregos, realizar eleições parlamentares, relaxar a pressão sobre a imprensa e a oposição e, o mais inesperado, deixar o poder em 2014, quando seu mandato acabaria. Antes, Ben Ali  ordenara a instalação de um comitê para investigar denúncias de corrupção contra integrantes do governo. Este foi um dos fatores que revoltou a população, depois que casos de nepotismo e outros tipos de corrupção, envolvendo até a família da primeira-dama, Leila Trabelsi, foram escancarados em telegramas diplomáticos americanos revelados pelo site Wikileaks (confira um dos telegramas, em inglês, no site do jornal The Guardian).
Para a população, 2014 estava longe demais. As manifestações populares contra o desemprego e a corrupção do governo da Tunísia começaram no fim do ano passado e se tornaram nacionais depois da morte de Mohamed Bouazizi. Analista em informática de 26 anos, Bouazizi estava desempregado e se tornou vendedor ambulante. Depois que a polícia confiscou suas mercadorias na cidade de Sidi-Bouzid, Bouazizi se desesperou e botou fogo no próprio corpo, morrendo em seguida. Sidi-Bouzid se revoltou e, em seguida, protestos violentos foram registrados em outras cidades do interior, como Kasserine, Thala, Regueb e Jabeniana, até chegarem à capital, na quarta-feira. Nesta sexta-feira, Túnis foi tomada por milhares de manifestantes, que entraram em confrontos violentos com a polícia. O mais emblemático deles se deu em frente ao Ministério do Interior – o principal executor da política repressiva de Ben Ali – que acabou cercado pela população. Segundo o relato da rede Al Jazeera, do Catar, há informações de que repartições públicas estarim sendo saqueadas em diversas cidades tunisianas.
O futuro da Tunísia, e os efeitos para o Oriente Médio


Christophe Ena/AP
PROTESTO Manifestante joga objeto contra as forças policiais em Túnis, nesta sexta-feira (14). População forçou a saída do presidente
Por enquanto, não está claro quais setores do governo provocaram a queda de Ben Ali, mas é difícil acreditar que um governante autoritário como ele fugiria do país se tivesse o apoio das Forças Armadas. Na quarta-feira, o jornal francês Le Figaro afirmou que o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Rachid Ammar, teria se recusado a transmitir ordens para o Exército coibir os protestos populares e expressou sua preocupação com o uso excessivo de força. Fontes da oposição teriam afirmado que o chefe dos serviços de Inteligência, Ahmed Chbir, teria sido nomeado por Ben Ali como substituto de Ammar. Uma reversão nesta destituição por parte dos militares pode ter sido o golpe final em Ben Ali.
Aparentemente, Ghannouchi tomou o poder baseado em uma premissa constitucional, mas a proximidade do "Sr. Sim Sim" com Ben Ali pode ser um fator ruim para ele. "A conjuntura não deve permitir que ele fique no poder por muito tempo", afirma Renatho Costa, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal dos Pampas. Em sua opinião, a Tunísia deve viver uma disputa de poder que envolverá não apenas os atores locais, mas também a disputa entre o modelo de democracia ocidental e o fundamentalismo islâmico. "A Tunísia tem forças fundamentalistas que foram duramente reprimidas e agora vão querer ganhar poder, enquanto a União Europeia – principalmente por conta da Itália, que é muito próxima geograficamente da Tunísia – e os Estados Unidos vão lutar para que o país africano tome um rumo democrático", diz Costa. "Os dois lados vão vislumbrar uma oportunidade de instaurar seu modelo de governo", afirma.
Uma mostra da presença americana na região foi dada pela secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, nesta semana. Como mostrou o jornal The Washington Post, Hillary passou por cinco capitais árabes e criticou os governantes locais por tolerar "instituições corruptas e uma ordem política estagnada". Ela alertou aos governantes que, se não trabalharem para estimular o desenvolvimento de uma sociedade civil que permita aos jovens contribuir com o país, a instabilidade virá e outros atores – leia-se os fundamentalistas islâmicos – vão preencher o vácuo. O que só o futuro vai dizer é se os países árabes vão conseguir aprender com o exemplo da Tunísia, ou se vão reiniciar o ciclo de repressão para tentar prolongar suas permanências no poder.
 

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