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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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 Países árabes veem Tunísia como laboratório da democracia
 

Tunisiana coberta com uma bandeira do país participa das manifestações no centro de Túnis. Foto: Reuters Tunisiana coberta com uma bandeira do país participa das manifestações no centro de Túnis
Foto: Reuters

Desde que a revolta popular na Tunísia surpreendeu o mundo, não são apenas os próprios tunisianos que se impressionam com a força que o movimento teve nas ruas - em apenas um mês, foi capaz de depor do poder um ditador que comandava o país havia 23 anos. Agora, os outros colegas déspotas de Zine El-Abidine Ben Ali, vizinhos da Tunísia, temem o efeito contagiante que a mobilização poderá causar. O medo, afirmam especialistas, é inevitável - e suas consequências, imprevisíveis.
Para impedir que Ben Ali tenha sido apenas a primeira peça de um verdadeiro dominó de ditadores, a primeira providência já está sendo tomada: da Argélia ao Egito, passando pelo Marrocos, e Jordânia, os distúrbios ocorridos na Tunísia mal estão sendo divulgados, a fim de não levantar movimentações semelhantes. A saída de Ben Ali do governo foi retratada como uma ação voluntária, uma cessão do poder ao seu primeiro-ministro Mohammed Ghannouchi.
No entanto, em um mundo globalizado, a internet tem atuado como fio condutor das informações, disseminadas por blogueiros e redes sociais. No Facebook, por exemplo, centenas de marroquinos e argelinos trocaram suas fotos do perfil pela bandeira da Tunísia, e a excitação nos fóruns de discussão é latente. "O que acontece agora na Tunísia é também a nossa vontade, e pode ser a nossa realidade", dizem. No Egito, onde um manifestante, inspirado pelos eventos na Tunísia, pôs fogo no próprio corpo em protesto pela ditadura de 30 anos de Hosni Moubarack, foi tratado pelas autoridades como um "doente mental sem controle dos próprios atos".
Resultado: no Facebook egípcio, emerge a campanha "somos todos desequilibrados: junte-se à campanha dos doentes mentais egípcios pela mudança". Uma grande manifestação, organizada pela rede, está sendo planejada para o próximo dia 25. Vincent Geisser, pesquisador do Instituto de Pesquisas e Estudos sobre o Mundo Árabe, em Paris, classificou os acontecimentos na Tunísia como "a queda do Muro de Berlim no mundo árabe". "A Tunísia entra em uma nova era e será inevitavelmente uma fonte de inspiração para os outros povos da região", defende Geisser.
Na opinião da diretora do programa Oriente Médio e Magreb do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), Mansouria Mokhefi, o primeiro fato provocador da revolta da Tunísia foi a divulgação, no mundo inteiro, de despachos pelo site WikilLeaks segundo os quais o país é visto como "uma nação atrasada, uma máfia, cheia de corrupção". "Eles se deram conta de que não queriam mais que o mundo os visse desta forma, e deram um basta em mais de 20 anos de um governo imposto pela força e pelo medo."
Embora, no mundo ocidental, a expectativa seja grande para que uma "revolução democrática" - como alguns vêm chamando o fenômeno tunisiano - se estenda por todo o continente, por enquanto ainda é cedo para apontar quem poderá ser o próximo país africano a botar abaixo os líderes que, há décadas, se perpetuam no poder no continente. Mokhefi lembra inclusive que, se há dois meses alguém fosse apostar em qual país aconteceria a revolta, a Tunísia não estaria entre as escolhidas.
"O povo tunisiano é sempre tão pacífico, tranquilo. Ninguém poderia imaginar que isso aconteceria lá. Os argelinos, por exemplo, são um povo muito mais agitado e organizado para se mobilizar", disse. Justamente porque os distúrbios foram surpreendentes, a especialista pondera que seria "puro chute" se algum dos colegas pesquisadores tentasse antecipar quem será o próximo país a se levantar contra o governo. "Se você descobrir um, me avise."
Ela ressalta, entretanto, que sociedade tunisiana é muito mais educada e diplomada que as demais africanas, e que o Exército do país não se destaca como um dos mais repressores - fatores que certamente contribuíram para a mobilização. Outro ponto importante é a juventude da população, e também as altas taxas de desemprego entre os jovens, batendo os 32%.
Situação semelhante se encontra nos países árabes vizinhos, o que inspira a preocupação dos presidentes todo-poderosos. O tampão para acalmar as insatisfações do povo é sempre o mesmo: quando a tensão social aumenta, o governo responde despejando dinheiro em reivindicações pontuais da população, até que tudo volte ao normal. A Síria e a Jordânia, por exemplo, na semana passada decidiram dar de presente à população um aumento de até 72% das subvenções do Estado para os combustíveis dos funcionários públicos, em medidas que, juntas, vão custar US$ 550 milhões aos cofres dos dois países.
Turquia é bom exemplo para transição à democracia
Por ter sido uma mobilização inesperada, a revolta tunisiana é também muito frágil: como não foi organizada, agora os opositores de Ben Ali terão dificuldade em apontar nomes para substituir os antigos colaboradores do ex-presidente no governo. Para a analista, apenas terá força democrática um governo que represente todas as principais camadas da sociedade, inclusive os islâmicos - tão temidos e, ao mesmo tempo, descartados da política nacional.
O caso da Turquia, sustenta, é um bom exemplo a ser seguido: democrática, laica e cada vez mais próxima da Europa, desde que aboliu o sistema de partido único, em 1945, e participou da formação da Organização das Nações Unidas (ONU). Desde então, o país vem enumerando fracassos de tentativas de golpes de Estado, até que hoje tem um governo parlamentar sólido, mesmo se formado em torno de um partido islamo-conservador, o AKP.
Por enquanto, os países vizinhos da Tunísia acompanham com cautela qual será o próximo passo no país, inclusive para visualizarem com mais clareza se a população é capaz de transformar a revolta em uma verdadeira revolução. Se os tunisianos falharem na formação de um novo governo democrático, não apenas desestimularão os demais povos a seguirem o seu exemplo como reforçarão a sede das ditaduras vizinhas por repressão de mobilizações.
"O levante tunisiano está encorajando os grupos de oposição na região, mas a questão é saber como os regimes vão reagir. Vão abater duramente a oposição, ou abrir lentamente o espaço político para absorver a ira crescente?", se questiona Shadi Hamid, diretor de pesquisas do Centro Brookings de Doha, em análise para o jornal Gulf News. "Mas, se a Tunísia conseguir trazer uma transformação real no regime, isso vai abrir uma grande porta para a liberdade no mundo árabe."
Momento histórico
A Tunísia começou a viver um forte turbulência social em meados de dezembro, quando jovens e estudantes iniciaram protestos contra os altos índices de desemprego na ruas da capital Túnis. As manifestações logo tomaram vulto e assumiram uma conotação política, criticando a falta de liberdade política no país.
O governo se viu obrigado a agir. Em meio a pedidos de calma à população, o então presidente Ben Ali anunciou o fechamento de universidades e escolas, enquanto o Exército saía às ruas para frear as manifestações. Passaram a haver confrontos regulares, gerando um número ainda incerto de mortos, mas que já passa de 70, segundo dados do governo.
As medidas não foram suficientes, e Ben Ali se viu obrigado a deixar a Tunísia no dia 14 de janeiro, passando o controle do país para o Exército e o comando interino do governo para o primeiro-ministro, Mohammed Ghannouchi. Com a fuga, encerra-se um longo período de governo, iniciado em 1987 e durante o qual Ben Ali se reelegeu diversas vezes.
Sem a presença do ex-ditator, a Tunísia começa a caminhar na direção de um novo cenário político. Na segunda-feira, 16 de janeiro, o comando interino tunisiano convocou a formação de um governo de união nacional para funcionar durante o período transitório até as próximas eleições, convocadas para dentro de seis meses. Presos políticos também receberam anistia, e todos os partidos políticos serão legalizados.

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