Ayin Hará, o mau-olhado
O ayin hará é uma das superstições que muitas vezes é mistificada. A explicação dos sábios é que não se deve temê-lo, porém se deve tentar evitar certas atitudes que podem despertar a inveja. Obviamente não há razão para fazer disto uma preocupação obsessiva.
O “mau-olhado” é um conceito que existe em praticamente todas as culturas, não sendo portanto, exclusivamente do conjunto de superstições judaicas, nem da Tunísia. Os sefaraditas do Oriente Médio costumam usar uma antiga expressão árabe Mashallah que significa: “Que D´us o livre do mau-olhado” quando saúdam uma criança ou um jovem. Na Turquia, por exemplo, os pais não costumam mostrar um recém-nascido a outras pessoas até que este complete 40 dias, pois a sua beleza poderia despertar inveja. Os italianos por sua vez chamam o mau-olhado de mal occhio e, em várias cidades do sul da Itália, é comum a presença de “especialistas”, geralmente mulheres, que supostamente o “afastam” com um ritual feito com azeite de oliva. Outras culturas possuem superstições similares.
O conceito judaico de mau-olhado aparece na Torá e no Talmud, estando presente em inúmeros comentários, apesar de se considerar de modo geral a superstição como sendo uma violação dos valores da Torá.
Na Torá quando Jacob mandou seus filhos para ao Egito para trazer algumas provisões (Gênesis, 42), instruiu-os a entrar na cidade por portões diferentes. Por quê ? Se todos os irmãos, que eram excepcionalmente belos e fortes, entrassem juntos por um mesmo portão, poderiam provocar nas pessoas que os vissem sentimentos de inveja, “provocariam “o ayin hará”. José também é imune ao ayin hará, pois foi abençoado por Jacob (Gênesis, 49:22) para estar acima do mau-olhado, assim como seus filhos Efraim e Menasseh (Gênesis, 48:16). Pode-se, então, deduzir que o ayin hará não é mera superstição.
Os sefaraditas costumam usar um amuleto em forma de mão como “proteção” contra o mau-olhado. A chamsa -mão-, em árabe, ou chamesh, o número cinco em hebraico (representando os cinco dedos da mão),– é um amuleto antigo e popular contra o mau-olhado, assim como os fitilhos vermelhos e azuis que muitas mães amarram na roupinha de baixo dos bebês ou de seus berços. O peixe, segundo o Talmud, é um outro símbolo que também representa proteção contra o mau-olhado. Como os peixes vivem dentro d´água, não estão na mira de olhares mal-intencionados. Já, na Turquia, Grécia e Tunísia, assim como em grande parte do Oriente Médio, usa-se um colar com um olho azul, que “age” como um espelho, refletindo e “confundindo” o “mau-olhado”.
Billada
Em 1705, o Tribunal Rabínico da Tunísia foi presidido pelo Grande Rabino Simah Sarfati. Natural do Marrocos (apesar de o nome Sarfati indicar origem francesa), Rabi Simah, de repente, adoeceu gravemente, tendo sido diagnosticado como portador de uma doença incurável. Uma noite, Eliahu Hanavi, que segundo a tradição judaica assiste a todos os nascimentos, apareceu em sonho diante de Rabi Simah e lhe receitou um remédio: a cada nascimento de um menino, ele deveria organizar uma noite de estudos do Zohar (O Livro do Esplendor), no sétimo dia, véspera da Brit Milá. Essa noite de estudos acabou sendo conhecida como Billada (em ladino, castelhano ou português antigo: velleda, velada) e perpetuou-se no judaísmo tunisiano até os dias de hoje. Rabi Sarfati curou-se e foi para Jerusalém, através de Istambul. Faleceu em 1717 e foi enterrado no Monte das Oliveiras.
Seudat Yitró
(A Festa dos Meninos)
Essa linda celebração, conhecida apenas pelos tunisianos, acontece na quinta-feira da semana em que é lida a parashá de Yitró (durante o mês de Shevat). Os meninos da casa são tratados como reis por um dia. Uma mesa em miniatura é posta para eles, com pratos, copos e talheres em miniatura. É preparado um banquete para cada menino da casa, assim como mini doces e bolos, o que contribui para criar uma atmosfera sem igual. Há muitas teorias para a origem dessa festa e a mais válida seria a seguinte: aconteceu num passado distante uma séria epidemia de difteria que assolou a Tunísia, deixando um saldo enorme de vítimas entre as crianças do sexo masculino. Como por milagre, essa epidemia parou na semana em que se lê a parashá de Yitró. Daí a celebração.
El Telet Laila
(A terceira noite)
Na terceira noite após a circuncisão, os parentes e amigos da família vão à casa do recém-nascido, sem serem formalmente convidados, para uma celebração especial. A origem desse costume vem do patriarca Abraão, que no anoitecer do terceiro dia depois de ter sido circuncidado (com a idade de 99 anos), é visitado por D´us. Costuma-se dizer que o terceiro dia após a circuncisão é o momento mais difícil para a criança. E, por isso, quando o sol se põe nesse dia, o menino é considerado fora de perigo, o que enseja a celebração de El Telet Laila. Geralmente pratos típicos como “kemia” e peixe “hraimi” são oferecidos aos convidados, enquanto ouve-se música judeu-árabe numa atmosfera bem descontraída.
A festa das filhas: Rosh Chodesh El Bnot
O sexto dia de Chanucá, que coincide com o Rosh Chodesh, Tevet, – início de um novo mês, é também para os judeus tunisianos o momento de celebrar “a festa das filhas”, ou Rosh Chodesh El Bnot. De origem não identificada, esse costume provavelmente se deve a uma homenagem a duas mulheres de destaque na Bíblia, Esther e Judith, justamente nesse mês. A sociedade judaica da Tunísia, ainda que bastante patriarcal, quis assim honrar igualmente as meninas. Mesmo não tendo a importância da festa dos meninos, a data sempre foi comemorada em todas as famílias, com uma bela mesa preparada com doces e confeitos.
Nar Agayne
O Nove de Av representa um dia de luto extremo, para todos os judeus. Justamente nesse dia, o primeiro e também o segundo Templo de Jerusalém foram destruídos; em 586 a.E.C. e 70 desta era; os judeus foram expulsos da Inglaterra, em 1205; e, em 1492, da Espanha. Os rabinos promulgaram, há muito tempo atrás, um dia completo de jejum e também a interdição de comer carne na semana que precede esse dia. Em 9 de Av, os judeus tunisianos têm por costume não tomar banho de mar ou de piscina. Um fato interessante: conta-se que em 1492, Cristóvão Colombo, que muitos consideram judeu, deveria partir para sua lendária viagem no dia 9 de Av, mas recusou-se, só partindo na caída da noite, que já era 10 de Av. O costume de jejuar, que era muito observado antigamente, foi-se perdendo durante o período colonial, mas hoje é levado muito a sério, terminando, geralmente, com uma deliciosa refeição com lentilhas.
Costumes da Henna
O costume de colocar henna nas mãos da noiva era praticado geralmente três dias antes de um casamento. A palavra “Henna” teria como simbologia as iniciais de três preceitos primordiais em um lar judeu, “Chalá, Nidá, Adlakat Nerot”. Durante os três dias que precediam o casamento, mães, avós e tias ensinavam à futura noiva as regras de como fazer o pão trançado de Shabat, a quantidade de massa a separar para queimar antes de assar as Chalot, relembrando o dízimo de cada fornada que era consagrado aos Cohanim). Depois, as leis da Nidá, ou seja, da pureza familiar. Finalmente, a Adlakat Nerot, ou o acender das velas no Shabat e nas festas. Além do mais, a colocação do pó vermelho nos pés da noiva visava afastar o mau-olhado. O principal objetivo da celebração da festa da henna era a homenagem à noiva, oferecendo-lhe saúde e riqueza enquanto se preparava para deixar a casa dos pais e começar uma vida nova ao lado do marido. (V. Morashá n: 18: “Os mistérios da henna”).
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