O deserto sempre exerceu um fascínio absoluto sobre o Ocidente . Para este sentimento em muito terá contribuído o filme Lawrence de Arábia, onde o conhecido Peter O’Toole surgia envergando uma impecável túnica branca enquanto a trama se ia desenrolando nas areias do deserto.
Mas o que tem o deserto a ver com a Tunísia? Na realidade a grande maioria dos portugueses associa a Tunísia a um país de sol e mar. Para esta percepção em muito terá contribuído o sucesso de destinos como Djerba, Hammamet, Port El Kantaoui ou Monastir. Afinal, são praticamente 1300 kms de costa. No entanto, para o interior, a Sul, situa-se uma Tunísia menos explorada turisticamente, mais misteriosa e introspectiva. É aí que encontramos as portas do majestoso Sahara, que nos cruzamos com os berberes e com toda a cultura do povo do deserto. Mas vamos a factos. Poucos serão aqueles que se deslocarão à Tunísia apenas para um programa de deserto. No entanto, a aposta vai para um programa combinado de uma ou duas noites no deserto, como extensão à praia. Por exemplo, de Djerba até Douz, a povoação que marca a entrada no deserto, com uma passagem pela turística cidade de Matmata, onde vivem os conhecidos trogloditas, dista 230 kms.
O programa a que nos propusemos foi, no entanto, mais ambicioso. Partindo da cosmopolita Tunis fizemo-nos à estrada pelo interior para cumprir os mais de 400 kms que distam de Douz.
A primeira paragem dá-se uma hora e meia depois na histórica cidade de Kairouan, também conhecida como a “cidade das 50 mesquitas”. Fundada no século VII, Kairouan tornou-se num importante centro islâmico e de ensino corânico. Considerada o centro espiritual da Tunísia, a cidade chegou a dominar nos seus tempos áureos todo o Islão Ocidental e é ali que se situa a quarta maior mesquita do mundo: a Grande Mesquita Okba. Aliás, a sua imponência marca definitivamente toda a paisagem de Kairouan, sendo classificada como Património da Humanidade. Vista do exterior mais se assemelha a uma fortaleza que a um edifício religioso, mas é ao entrar no seu interior que nos deparamos com uma floresta de magníficas colunas, sendo o seu minarete construído em parte com pedra de Cartago. Outro dos pontos de visita obrigatória é o Mausoléu do Barbeiro. Leu bem! Reza a lenda que foi ali que terá sido sepultado Abu Zama el Belaoui, companheiro de Maomé, tendo transportado até à morte três pêlos da barba do Profeta.
Monumentos à parte, entrando na medina pela Porta dos Mártires somos transportados para um tempo que já não existe, onde velhos se animam à conversa sentados na sombra de um qualquer edifício e artesãos trabalham sem desviar o olhar das suas peças. Aliás, falar em Kairouan é também sinónimo de tapetes e é aqui que se encontram os melhores do País, os conhecidos Alloucha. E aqui começa a arte de negociar, dependendo pelo número de nós por metro quadrado de tapete.
As surpresas nos oásis
De volta à estrada, após um retemperador chá de hortelã, rumamos ao Hotel Tamerza Palace, onde nos aguarda o almoço. Perto de Tozeur, encravado na montanha árida, voltado para um oásis e uma pequena povoação em ruínas, surge, do nada, este magnífico hotel boutique & spa. A sua arquitectura simples funde-se na perfeição com a aridez da paisagem. E uma refeição no pátio do Tamerza Palace enquanto se contempla a paisagem é certamente um “must do” da Tunísia.
Bem perto, e a poucos quilómetros da fronteira com a Argélia, situa-se Chebika, um oásis no mínimo dramático.
A sua exposição ao sol é tal que é conhecida como Qasr el-Shams, o que traduzido significa “Castelo do Sol”. A actual vila de Chebika é contemporânea e situa-se próximo da povoação original agora em ruínas, destruída por uma violenta inundação em 1969. A maioria dos turistas chegam até aqui em jeeps artilhados e vão sendo largados num improvisado e rústico centro comercial, onde é possível comprar os souvenirs habituais como as rosas do deserto, os escorpiões em garrafas ou as rochas coloridas.
Segue-se depois um ziguezaguear pela escarpa de uma garganta gravada na montanha pela força das águas e eis-nos chegados ao Paraíso. Aguarda-nos uma cascata de águas frescas e cristalinas, onde o silêncio só é quebrado pelo coaxar das rãs.
O oásis em si nem se destaca pela sua imensidão, mas é a árida e inusitada paisagem, em contraste com o que aguarda o visitante mais abaixo que torna este local especial.
Finalmente, 12 horas de caminho depois eis-nos chegados àquele que seria o nosso hotel por uma noite, o El Mouradi Tozeur. A cidade de Tozeur, com cerca de 40 mil habitantes, tem vindo a ser cada vez mais procurada por turistas que aí compram casa para passar temporadas do ano. A temperatura é atenuada pelas centenas de milhares de palmeiras num imenso oásis. Tendo já sido um entreposto comercial do Império de Roma, Tozeur é conhecido desde tempos imemoriais pela sua importância no trajecto efectuado pelas caravanas. Elemento distintivo da cidade são os seus edifícios em tijolo amarelado que acaba por marcar a sua arquitectura. Uma coisa é certa, em Tozeur o turista não se vai certamente aborrecer.
Desde as habituais compras aos passeios em camelo, passando pelos museus, as possibilidades são inúmeras.
Aqui o destaque vai para o fantástico museu Dar Chraiet, um misto de parque de diversões que conta a história de Ali Baba e os 40 ladrões, do Aladino nas “Mil e uma noites”, para além de um completo museu etnográfico e histórico da Tunísia. Aqui miúdos e graúdos vão certamente passar umas belas horas de entretenimento e cultura.
Ao segundo dia aguarda-nos uma visita a Ong El Jamel, literalmente “Pescoço de Camelo”, tendo servido de cenário para uma inesquecível cena do filme Guerra das Estrelas. Segue-se o extraordinário Chott El-Jerid, um imenso lago salgado formado ao longo dos tempos pela condensação da água do mar. São quilómetros e quilómetros por uma estrada onde tanto à direita como à esquerda somos surpreendidos por inesperadas miragens e uma paisagem, que de tão desoladora se torna bela, e convida à introspecção.
Muitas miragens depois e um sem número de dromedários que se vão cruzando pela janela do nosso jeep chegámos ao nosso último destino: a cidade de Douz, também conhecida como as portas do Sahara. Como é fácil de imaginar, a cidade teve em tempos uma importância fundamental no percurso efectuado pelas caravanas de camelos. Hoje são os turistas grande parte da sua razão de ser. Isso e as deliciosas “diglat noor”, as mais afamadas (e com toda a justiça!) tâmaras da região.
Para quem quer realmente se aventurar no desert, ou então simplesmente sentir-lhe o cheiro, este é o local de partida. Passeios em dromedários ou charretes (para os mais idosos), asa delta motorizada ou jeeps são algumas da opções. A sugestão é chegar perto das 17h ao Centro Pegase e deixar-se guiar em caravana por um dos afamados guias da região. Depois é preparar-se para um dos mais fantásticos e simples fenómenos que a Natureza tem para oferecer: o pôr-do-sol visto do deserto.
Pensando melhor, o deserto da Tunísia vale por si uma visita dedicada. E se a vontade de voltar for muita, anote no calendário os últimos dias de Dezembro, altura em que decorre o Festival Internacional do Sahara, uma celebração de quatro dias que reúne e presta tributo à tradicional cultura do deserto.
* O jornalista viajou a convite do Turismo da Tunísia
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